Blog da Li

Não acredite em tudo que dizem, acredite mais em si

Blog da Autora Li Mendi de Livros de Romance na Amazon

Ali, antes do degrau, no limite da rua, via a chuva desabar. Não havia guarda-chuva para abrir. Ah, o esquecimento e a má vontade em entupir a bolsa. Respirei fundo e desci. Caminhei calmamente debaixo da tempestade. Toda a maquiagem, base, pó, sombra, rímel foram sendo lavados gota a gota. A blusa branca colocou no corpo como segunda pele transparente. O salto alto nunca atrapalhou tanto para andar. Quando se está totalmente molhada, não há aflição por procurar abrigo, nem passos corridos para chegar ao destino. Simplesmente não tem o que se impedir.

Quatro quarteirões depois, parei em um ponto de ônibus sem proteção. Que ironia, pra que eu precisaria de uma? Os pares de olhos atrás dos vidros dos carros com insulfim me olhavam com certa piedade. Mas, juro, eu estava bem. Sem revolta, sem pressa. Só molhada.

Entrei no ônibus, passei o cartão e fiquei ali, como roupa no varal, pingando e fazendo poça. O ar condicionado do veículo estava muito forte. Levaria um tempo para o corpo fazer a troca de temperatura. Uma mulher tocou na minha mão e disse, já desabotoando o primeiro botão do casaco vermelho. “Eu vou te dar”. Eu lhe sorri e disse que não precisava “mesmo”, com enfatidão no “mesmo” para que entendesse. Agradeci com o coração repleto de admiração e carinho por aquela atitude tão humana.

Há os que têm pena, os que ignoram e os que são humanos.

Sentei e enfrentei um engarrafamento de quase duas horas. O frio era suportável. Pensei na matéria carne. Nos preocupamos em vesti-las com as melhores roupas, com os acessórios de ouro, maquiamos as imperfeições, mas ela é só um revestimento frágil do espírito. Há que se estar em paz com o próprio corpo, como alguém que tem prazer em voltar para própria casa depois do trabalho. Existem pessoas que simplesmente querem ser visitas do corpo, sempre modificando, reclamando, julgando, não o considerando seu.

O sinal estava quebrado, como atravessar as pista das quatro avenidas? Era necessário andar longamente pelas margens até o próximo semáforo. Não me abalei por isso, andei, andei, atravessei. Já antes da rua de casa, passando por um lindo gramado de um terreno repleto de árvores, ainda sob a chuva, me ocorreu a conversa com uma conhecida. Ela me contava os tormentos de se estar 3 anos tentando passar em um concurso. Seu objetivo é a estabilidade e ganhar muitas dezenas de milhares de reais. Nada na sua vida aconteceria até que isso se concretizasse. Eu já penso tão diferente, quero só voltar para casa, ter uma família bonita, conseguir pagar as contas e ter o mínimo.

A consciência da morte nunca foi algo tão presente em meus pensamentos. Quando se sabe que o relógio vai parar, todas as atitudes e preocupações mudam. Você deixa de supervalorizar objetos, marcas e roupas porque eles perderão a ligação com você. Tendo em conta a perenidade do tempo de vida, aquele esporro, aquela humilhação, aquela briga se tornam sem razão. Porque tudo, tudo mesmo será diluído e esquecido.

Estou em um estranho e agradável estado zen. Minha inteligência emocional nunca esteve tão aguçada. Quando é possível ver a vida sob a perspectiva de que tudo é passageiro é conseguimos enxergar vários planos invisíveis atrás de situações.

Hoje, uma pessoa amada me contava com lágrimas nos olhos de rancor, ódio e mágoa que fora acusada por um erro que não tinha sido seu, mas de um trabalhador de sua responsabilidade. Seu chefe não teve o pudor em humilhá-lo em público.

O primeiro plano que se vê claro é o descrito. Quem só consegue enxergar isso, se une ao injustiçado e começa a odiar junto. Mas, há outros planos ao fundo. O chefe inseguro, sem liderança e cego que não entende nada de relacionamentos humanos; O subordinado que é ingênuo, inexperiente e que não sabe controlar as emoções que acredita em tudo que lhe dizem, inclusive que estava errado. O terceiro plano: um precisa do outro. O chefe precisa do erro do outro para se ver em uma situação que lhe teste a liderança e aprenda a ser chefe; o subordinado precisa do chefe para crescer. Todo aprendizado se passa pela dor, uma pena que algumas doam mais.

Vendo os planos se desmembrarem, me esqueci no silêncio e pareci alheia. Pisquei os olhos, segurei-lhe a mão e falei com mansidão: “Você não deve acreditar no que as pessoas te falam quando tem certeza da sua capacidade apenas porque elas insistem em te convencer pela repetição. Não guarde rancor no coração, isso te impede de aproveitar a vida. Já passou, é um ato consumado. Agora, saia, se divirta, ria disso tudo, ignore. Quanto mais remoer sentimentos, mais sujo e doente ficará seu coração…”

Ontem, uma companheira de trabalho disse que sou muito madura para a idade que tenho, apesar do rosto muito jovem. Há quem diga que tenho cara de 18. (???!) Lembrei de ter educado meu irmão, hoje com17, desde bebê, com todas os dilemas e pirraças que a tarefa encerra, lembrei que tive que aprender a me virar sozinha cedo. Cheguei a um cálculo: tenho 30 anos. Não ria. Me sinto muitíssimo além da idade que está no registro. Não é arrogância, juro. Simplesmente vejo as situações da vida sob uma perspectiva menos radical, com menos rigor e exigências típica da idade juvenil.

A maior angústia hoje das pessoas é serem aceitas. As propagandas dizem que o carro, o refrigerante, o tênis, a bolsa, o óculos te destacam e te incluem no coletivo. Os indivíduos lavaram suas mentes e caíram nesse conto. Se matam de trabalhar e se sacrificam para obterem objetos que lhes façam ser reconhecidos. Perdem de curtir a vida para serem escravos dos bens que possuem. Aliás, os bens lhes possuem. Até a mulher e o homem se coisificaram. A TV, as revistas masculinas, os filmes criaram o namorado avatar com aquele cabelo, aquela blusa, aquele tipo de rosto. Virou um bonequinho de montar. Os gordinhos, os de bigode, os de espinha não são possíveis, são os que sobram, não são “opção”, não são “produtos de prateleira”.

Quando atingimos a idade em que todas as conquistas financeiras foram postas à prova, quando os cabelos brancos chegam e o coletivo te perdoa por ser gordinha, enrugada e andar de vagar, chega o tempo da liberdade de provar sem medo, de desbravar sem pressa, de curtir sem cobranças. Que bom seria que a juventude tivesse a sabedoria dos mais velhos, sofreria menos.

Não é preciso chegar lá necessariamente para atingir essa consciência. Mas, infelizmente, a mídia, o social, o mercado te colocam vários insulfims que bloqueiam a visão. Eles te prometem o prazer, mas imputem o sofrimento quando te excluem do consumo pela impossibilidade de adquirir os bens. Há vida além do Leblon (o bairro dos ricos que sempre aparece nas novelas da Globo e onde mora 80% dos atores de lá.), há felicidade em casas não assinadas por decoradores famosos, há viagens maravilhosas que não foram traçadas por carros 4 x 4, há homens maravilhosos que não seriam nunca capa da Men´s Health.

Não descubra a vida muito tarde, é triste olhar para trás e ver que perdeu tempo. Para terminar, na mudança de um casal de amigos para outro estado, eles colocaram os álbuns no porta malas e explicaram que estavam levando o que lhes era mais caro com eles, não arriscariam colocar no caminhão de mudanças: “ _ Não tenho riquezas, a minha fortuna é o que vivi e está ali registrado.” Eram pilhas de grossos álbuns, repletos de viagens e festas. De fato, um tesouro inestimável.

p.s: Rose Ane, obrigada pelo recado carinhoso que deixou no post anterior. Respondi abaixo. Fico feliz que meus textos te ajudem a refletir. Já viu meus livros? As capinhas estão no perfil, é só clicar, espero que se divirta.

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